terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Turbulência



Quando o aviso de “atar cintos” se iluminou no painel acima de sua cabeça, ela sentiu cada músculo do seu corpo se retesar. Sabia que estava usando um dos meios de transporte mais seguros do planeta, que as estatísticas estavam a seu favor e que a tremedeira que fazia o avião balançar como um brinquedo de pouca resistência era culpa de alguma arruaça meteorológica temporária.

Mesmo assim ela sentiu a inevitável sensação de impotência. E se aquele voo estivesse predestinado a nunca chegar ao seu destino? E se um soluço inesperado nas estatísticas levasse o avião para o chão ou (pior) para o fundo do mar?

Agarrou os braços da poltrona quando uma sacudida particularmente forte agitou a aeronave e não pôde evitar o pensamento: e se depois daquela turbulência viesse simplesmente o nada?

Havia coisas demais que ela ainda precisava fazer: lugares que ainda não havia conhecido, músicas que ainda não havia dançado e livros que ainda não havia lido. Havia um amor a ser declarado, abraços a serem dados e sorrisos a serem distribuídos. Havia pedidos de perdão a serem feitos e alguns a serem aceitos. Havia medos a serem derrotados, crises a serem superadas e conquistas a serem alcançadas. Havia também aquelas promessas de ano novo a serem cumpridas e os incríveis planos montados em mesa de bar que ainda precisavam sair do guardanapo de papel onde foram traçados.

Enquanto a tripulação recolhia às pressas o serviço de bordo e se acomodava entre a segurança de seus cintos, ela iniciou a longa lista de tudo aquilo que faria quando aquele aviso de “atar cintos” se apagasse. Surpreendeu-se ao perceber que a maioria das coisas parecia incrivelmente simples quando analisadas a tantos mil pés de altitude: grande parte delas envolvia palavras menos pensadas, julgamentos menos engessados e atitudes mais espontâneas. Sentiu-se surpreendentemente leve ao imaginar-se colocando cada uma delas em prática e seus pensamentos vagaram para tão longe daquela enorme caixa metálica que ela sequer notou quando a aeronave parou de balançar, o temido aviso de “atar cintos” se apagou e as luzes de seu destino começaram a despontar no meio da escuridão daquela noite sem estrelas.

Ela tinha um plano perfeito para ser colocado em prática quando o avião pousou e as portas foram colocadas em modo manual. Sentia-se determinada, ousada e destemida para fazer o que quisesse. Teria começado naquela noite mesmo, mas assim que ligou o smartphone de última geração foi inundada pelas mensagens instantâneas do grupo dos amigos, da família e da ioga. Distraiu-se verificando quantas pessoas tinham curtido o check in no aeroporto virtual de sua rede social, ocupou-se em ler os novos e-mails que caíram em sua caixa de entrada durante o voo e já não parecia capaz de se lembrar da enorme turbulência que havia acabado de enfrentar.

Os planos audaciosos se perderam entre a expectativa de que sua mala não tivesse sido extraviada, a irritação causada pela espera interminável por um táxi e a sensação esquisita de que havia deixado algo importante no avião, embora estivesse de posse de todos os seus pertences de valor.
19/11/2015