Antes de seguir adiante, deixa eu explicar uma
coisa: eu não odeio o verão. Não mesmo, juro.
Mas adoro a maneira como frio nos torna mais humanos. Vale ressaltar que,
quando eu me refiro a “frio”, estou falando dos vinte graus que colocam o Rio de
Janeiro em contagem regressiva para o inverno. A tal sensação térmica negativa
que os nossos compatriotas do sul estão experimentando é algo desconhecida para
a turma aqui do sudeste. Nossa solidariedade a vocês aí embaixo!
Mas vamos voltar ao frio: que experiência
maravilhosa foi dormir e acordar com uma frente fria estacionada sobre o estado!
Não deu pra tirar minhas botas favoritas do guarda-roupas, mas fez frio suficiente para desacelerar a cidade e esvaziar
as redes sociais. Em plena sexta-feira à noite pude ir pra cama sem a sensação
de estar desperdiçando minha juventude. O Facebook estava um sossego sem tantas fotos
de gente bonita, bem vestida, aglomerada em poses perfeitas e segurando suas
bebidas caras. Nenhuma postagem exibindo as tão conhecidas legendas “balada top”
ou “até tem vida mais barata, mas não presta”. Encontrei um ou dois pezinhos
calçados em pantufas engraçadinhas e meias confortáveis, mas a maioria de nós
se contentou com uma coberta quentinha e a companhia de seus entes queridos,
sejam eles humanos, bichos de estimação ou a Netflix. Todo mundo off line,
curtindo a simplicidade mundana da realidade.
E o que dizer sobre acordar com um sábado sem
sol? Além do alívio de poder dormir até tarde sem se preocupar com o custo adicional
do ar condicionado, não ver os raios de sol refletidos na parede pra te lembrar
de que o mundo lá fora já está em movimento enquanto você ainda descansa é um sossego
para o espírito. Os grupos do whatsapp em silêncio também foram uma trégua
para as almas ansiosas: com a chuvinha fina caindo do lado de fora, não teve aquela
enxurrada de mensagens convocando para os tradicionais programas do sabadão
ensolarado. Só os clássicos “bom dia” e as incansáveis correntes enviadas nos
grupos da família, que nem parecem assim tão irritantes em um dia nublado e
tranquilo.
A turma da malhação e dos corpos sarados também
deu uma boa folga pra nós, meros mortais com metabolismos menos acelerados e
abdomens mais volumosos. Com o mar se revirando em ressaca, ventos cortantes e a incansável garoa que fica indo e vindo, o Instagram esteve
livre das fotos da turma que malha e precisa mostrar ao mundo toda sua
capacidade de transformar calorias em força física. A geração saúde conectada,
que em sábados normais já teria corrido 10k, pedalado entre cinco bairros, remado
uma distância Rio x Niterói e postado fotos com frases motivacionais pra
mostrar o resultado (enquanto eu ainda nem teria escovado os dentes), parece ter
resolvido ficar até mais tarde na cama para aproveitar a serenidade trazida por
uma manhã cinzenta.
O frio é generoso com todos os estados
civis. Com aquelas correntes frias entrando por cada fresta da casa, o
edredom se torna um porto seguro tanto para os casais apaixonados quanto para
as almas solitárias. O moletom se torna a vestimenta oficial e nos lembra que somos,
sim, todos iguais. Não há distinção entre abdomens sarados ou barrigas
protuberantes quando nos escondemos embaixo daquelas duas abençoadas peças de
roupas.
Em dias nublados como hoje, aproveitamos para
organizar aquelas pequenas bagunças que as festinhas top, a praia com os amigos,
a corrida, a pedalada ou os churrascos-ostentação sempre jogam para segundo
plano. Sem o calor que pede a cerveja gelada, o banho de mar e a foto do par de
pernas saradas postada nas redes sociais, a gente tem a oportunidade de relaxar
de verdade e aproveitar cada minuto desses dias ociosos que vão se acabar tão
logo a primeira massa de ar quente seja soprada em nossa direção.
Eu não odeio o verão, juro! Amo os dias longos,
os pores do sol multicoloridos e a energia incrível que só o sol e o céu azul
conseguem gerar. Mas como não amar também a simplicidade e a humanidade que o
frio deixa transparecer em todos nós?
Viviane Ribeiro
30/04/2016