sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Crônica sobre uma Garrafa de Vinho



Essa foi uma semana com a cara de 2016: infernal. Muito trabalho, pouco dinheiro, mais fome do que o razoável, notícias (muito) tristes, notícias (muito) revoltantes e o desejo ardente de que os cinco dias acabassem logo. Finalmente, depois de uma longa espera, eis que #sextou.

#Sextou, mas o cansaço está maior que o saldo da conta  bancária e a disposição pra encarar a noite carioca está mais baixa que a tarifa dinâmica do Uber. A solução é encontrar conforto na Netflix e, por que não, em uma garrafa de vinho?

Corta para a fila do supermercado. Vinho escolhido, cometi a ousadia de complementar com um queijo afrescalhado (só porque hoje é #diadamaldade) e segui com fé para a fila do caixa. Eis que teve início a aventura mais fascinante da semana: nos minutos seguintes, descobri que uma garrafa de vinho e um pedaço de queijo brie definem, sim, meu estado civil.

“Esse vinho é bom?” – a companheira de fila puxou assunto, depois que eu cometi o deslize de abrir um sorriso solidário às reclamações sobre a demora no atendimento.

Confirmei que era, ostentei meu (patético) conhecimento sobre vinhos e sorri (erro número dois).

“Ih, tem até um queijinho. Hoje tem, hein?”

Confesso que, naquele momento, eu fraquejei. Pensei em responder que hoje tinha, sim, e inventar uma versão bem romântica pra justificar as minhas compras, mas tenho uma envergadura moral para sustentar e optei pela verdade: o vinho e o queijo eram pra mim. T o d i n h o s  pra mim.

A companheira de fila piscou, visivelmente confusa. Eu quase consegui ver as sinapses mentais dela entrando em curto circuito. Continuei agindo naturalmente.

“Ah, que legal. (sorriso constrangido) Não tem nada melhor que um vinho pra relaxar, né?”.

Sorri pra ela de novo, do mesmo jeito que sorri para a mocinha do caixa quando ela me entregou a sacola com o vinho e me desejou um “boa noite” com a animação de quem tinha certeza de que eu teria uma madrugada de pura luxúria.

Já na segurança do lar, com o vinho gelado (me julguem) e o queijo devidamente cortado em tamanhos totalmente aleatórios, só faltava a Netflix para que a noite top-top-top ficasse completa. Mas, antes, aquela olhada rápida no celular pra conferir as fotos da sexta-feira da galera: gente malhando, gente bebendo, gente engarrafada e gente mandando aqueles selfies que não têm propósito algum. Mandei uma foto do melhor ângulo da minha taça (atire a primeira pedra aquele que nunca tirou foto do próprio copo de bebida) e me dediquei  à árdua tarefa escolher uma série. Tem coisa mais empolgante que uma maratona de séries em plena sexta-feira à noite? É claro que tem, eu sei.   

Com a velocidade que só as fofocas digitais conseguem atingir, meu celular foi bombardeado por uma sequência de mensagens com emojis festivos, emojis de coração, emojis de diabinhos e uma série de perguntas indignadas sobre onde eu estava, com quem estava tomando vinho em plena sexta à noite e por que a sociedade não estava ciente dessa novidade.

Frustrei todo o entusiasmo do momento com a notícia de que só haveria uma taça por essa noite e entendi porque não posso reclamar dessa vida: recebi mensagens preocupadas com a minha solidão, convites para me aventurar pela emocionante e caríssima noite do Rio de Janeiro e até uma companhia solidária para me ajudar a dar fim na garrafa de vinho e assistir a uma comédia romântica bem açucarada pra adoçar a alma. Recusei todas, feliz da vida por ser tão amada.

Não escolhi nenhuma série e desisti da Netflix antes de chegar à metade da garrafa. Não dava para deixar de escrever sobre a fascinante experiência de ser uma solteira de trinta (e poucos) anos e desejar uma garrafa de vinho em plena sexta-feira à noite. No dia oficial da maldade, não há nada mais subversivo do que esvaziar uma(s) taça(s) sozinha, na frente da tela do computador, escrevendo sobre as pequenas coisas da vida que nos divertem quando observadas pelo ângulo certo. Saúde!