sexta-feira, 3 de março de 2017

Calmaria


Ela chegou ao mundo amparada pelos Ventos do Leste e regida pelo signo de fogo. Não houve um único bom presságio sobre o futuro quando seu choro foi aclamado pelo ribombar dos trovões através do céu cor de chumbo.

Os anos que se seguiram foram marcados por manhãs nebulosas e tardes cinzentas. Naquele canto do mundo, ela aprendeu rapidamente que as tempestades mais violentas chegavam de forma repentina e viu um sem fim de navios naufragarem nas águas agitadas do único mar que conheceu. Acostumou-se à desolação causada pelas torrentes, abandonou o afeto que sentia por todas as coisas levadas pelas constantes ventanias e acostumou-se ao desassossego. A escuridão das noites sem lua escondia vozes que sussurravam palavras de desterro, que ela própria recitava com a serenidade de quem sabe que não há mais nada a temer. Aquele era o seu território e nada poderia ameaça-la em seus domínios.

Quando os Ventos do Norte sopraram para aquelas bandas, trouxeram agitação e mudanças, mas não do tipo que ela esperava. Houve mais luz do que seus olhos estavam acostumados, mais silêncio do que seus ouvidos pareciam capazes de suportar e muito mais calor do que se lembrava de já ter experimentado.

Quando as vozes da noite anunciaram o fim da degradação, ela temeu pelo futuro de tudo o que conhecia e decidiu revidar. Convocou os ventos de seus dias mais remotos, evocou as tormentas mais devastadoras de suas memórias e agarrou-se à petulância de que nada poderia se opor à força da sua essência. 

Lutou com todas as suas armas até a exaustão, mas as correntes da mudança subjugaram os seus artifícios e  varreram para longe toda a forma de poder que ela conhecia até então. No instante em que o sol despontou no horizonte, espalhando sua luz esplendorosa pelos quatro cantos daquela terra devastada, ela entendeu que finalmente havia chegado o momento de conhecer a calmaria, depois de tanto tempo acostumada apenas às tempestades.