quinta-feira, 20 de julho de 2017

Loteria da Amizade


Mariana conferiu as horas e deixou escapar um muxoxo de irritação. O lugar vazio à sua frente e a solitária taça de vinho refletiam mais ou menos o estado de espírito dela naquela noite de inverno. O dia havia sido pesado, daqueles que parecem destinados a nunca terminar, e ela precisou lutar com todas as suas forças contra a vontade de ir direto para casa, se enfiar embaixo do edredom e se presentear com uma barra de chocolate e algumas horas de Netflix. Por que sempre se sujeitava àquele tipo de situação? O garçom aproximou-se, parecendo mais constrangido do que ela.

- Me dá só mais 15 minutos, por favor? - ela pediu, fazendo seu melhor olhar de pedinte. - E pode trazer mais uma taça de vinho pra mim? 

O garçom assentiu, parecendo contrariado, e se afastou. Ela olhou aborrecida para a tela do celular, jurou que só esperaria mais cinco minutos e prometeu a si mesma que aquela seria a última vez que passaria por aquela situação.

- Amiiiiiiiga! - a voz familiar antecipou-se à chegada barulhenta de Carol. No segundo seguinte, Mariana foi engolida por um abraço apertado, seguido pelo turbilhão de ruídos que a amiga sempre fazia ao chegar em qualquer ambiente. - Desculpa! Eu juro que tentei sair no horário, mas aquela vaca da contabilidade me ligou bem na hora em que eu estava desligando o computador. Com umas perguntas idiotas de fazer vergonha! - interrompeu brevemente o longo discurso e olhou ao redor. - Ué, cadê todo mundo? E cadê a cerveja? Vinho não vai dar conta do meu nível de estresse hoje, não.

Falou isso enquanto roubava um gole da taça de vinho tinto de Mariana, largava a bolsa sobre uma das cadeiras e reclamava do motorista do Uber, que havia dado uma volta boba no quarteirão só para atrasá-la ainda mais.

- Dá pra ouvir a sua voz lá da porta do restaurante, Carol. - Pedro anunciou, materializando-se do nada na companhia de Juliana. Nenhuma das duas tinha notado a chegada do casal, que cumprimentou as duas amigas com bem menos estardalhaço. Sentaram-se lado a lado, com as mãos entrelaçadas, do jeitinho que faziam desde sempre. Eram o casal mais apaixonado que Mariana conhecia e a prova de que o amor verdadeiro ainda existia.

- Vocês estão muito atrasados! - Mariana rosnou. - Como sempre! E, como sempre, eu tenho que ficar implorando ao garçom pra não separar as mesas e... 

Não conseguiu terminar a bronca. Viu Dani entrar pela porta, o semblante demonstrando que ainda não havia superado o fim do noivado, mas um sorriso de quem parecia estar se esforçando para seguir em frente. A recém chegada foi recebida com uma onda de beijos e abraços afetuosos, reforçada poucos minutos depois pela chegada de Pedro. Ele suspirou aliviado quando se livrou do terno, reclamou da falta de cerveja na mesa e ergueu a mão para chamar o garçom, enquanto o falatório desordenado e típico da turma tomou conta da mesa. Meia hora depois Tatiana se juntou aos amigos, vestida em sua roupa de malhar de estampas psicodélicas e avisando que não ia beber porque estava de dieta. 

Uma onda de indignação dominou a mesa e, enquanto ouvia os protestos e as ordens para expulsar a abstêmia do recinto, Mariana sorriu e entendeu porque havia enfrentado o frio, a meia hora de espera solitária e a vontade de se enfiar embaixo do edredom. Aquela turma barulhenta, composta de gente tão diferente, sempre fazia seu dia valer a pena e tornava noites de inverno como aquela bem mais agradáveis de se viver. Sorriu, sentindo-se tremendamente sortuda por ter amigos tão especiais, e juntou-se ao coro que exigia a cerveja e o fim da dieta da Tati.