sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Clube da Insônia

Quase todas as noites, as visitas indesejáveis invadiam o quarto dela e tiravam seu sossego. Entravam sem nenhuma cerimônia, ignorando a placa de “não perturbe” presa à maçaneta da porta. Quase todas as tentativas de mantê-las longe já tinham sido feitas: as recomendações para que o quarto se tornasse um refúgio tranquilo, escuro e sem aparelhos eletrônicos que causassem distração foram seguidas à risca, o celular entrava em modo silencioso no horário agendado e permanecia em absoluto silêncio pelas oito horas que se seguiam. A alimentação também já tinha mudado: a vilã “cafeína” já havia sido banida das refeições que vinham após o pôr-do-sol e, apesar de tudo, as visitas entravam em seu quarto assim que as luzes se apagavam.

Ela conhecia todas perfeitamente bem e quase podia adivinhar quando cada uma apareceria. A ansiedade era a mais frequente. Chegava com seus lustrosos sapatos de salto e andava em círculos ao seu redor, enumerando a enorme quantidade de coisas que ela tinha a fazer: aquele relatório que precisava entregar até sexta-feira, a apresentação que teria que fazer na reunião de equipe, o resultado daquele exame que precisava buscar no laboratório, as reservas que ainda não tinha feito para a viagem do feriado, os possíveis desdobramentos daquele “precisamos conversar” que tinha ouvido mais cedo e várias outras pequenas coisas que estavam na sua lista de afazeres e pareciam perfeitamente sob controle antes dela deitar a cabeça no travesseiro.

Havia também a angústia. Essa chegava em silêncio e passava a noite arrastando suas saias pesadas pelo chão do quarto. Aparecia mesmo quando as coisas estavam em perfeita ordem e sussurrava aos ouvidos dela aquelas dúvidas que tiravam seu sossego. Será que precisava realmente ter falado sobre aquele assunto no jantar? Será que estava mesmo tudo bem com seu namoro? Precisava de verdade ter comprado aquelas roupas? Por que a médica tinha pedido aquele segundo exame? Será que o chefe tinha marcado a reunião para reclamar do trabalho dela? Não importava o quanto ela se esforçasse para ignorar aquela voz, as perguntas entravam pelos ouvidos e seguiam direto para os seus nervos.

Havia visitantes menos frequentes, mas igualmente inconvenientes: a tristeza aparecia de vez em quando, arranjava um espaço na cama e deitava ao lado dela com seus pés gelados. A mágoa escancarava a porta e ficava por ali, zanzando sem rumo e ruminando em voz alta todas as coisas que ela podia ter dito durante aquela discussão. Como não tinha pensado em dizer aquela frase na fatídica conversa do final de semana?

Havia noites em que ela decidia não deixar ninguém entrar. Apelava para os comprimidos manipulados, para uma dose extra de álcool ou para tentativas de levar o corpo à exaustão. Dormia feito uma pedra por gloriosas horas, mas quando abria os olhos, muito antes do horário programado no despertador, encontrava as visitas paradas à cabeceira da sua cama, sorridentes por finalmente verem ela despertar. Nenhum dos visitantes tinha pressa de ir embora: eles se demoravam por muitas horas e, não raramente, tiravam ela da cama para forçá-la a procurar alguma distração enquanto toda a cidade ao seu redor dormia.

Quase todas as noites eram iguais: a turma do clube da insônia chegava sem ter sido convocada, se reunia em seu quarto e só partia pouco antes do amanhecer. Quando o sol nascia e o despertador tocava, ela achava que tinha dormido bem menos do que gostaria e saía exausta da cama, desejando que o dia passasse rápido para que ela pudesse voltar para casa e finalmente dormir.