terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Maldita Sorte




João Esperança ficou conhecido como uma das pessoas mais azaradas daquela cidade e poderia facilmente ter concorrido em algum campeonato nacional, caso houvesse uma competição deste gênero. Ninguém sabia precisar quando ele havia começado a colecionar suas desventuras, mas todos concordavam que elas remontavam de sua mais tenra idade.

Sua saúde nunca foi realmente boa. Passou incontáveis tardes da infância tratando de doenças ou de ossos quebrados das maneiras variadas e estúpidas. Quanto atingiu a idade adulta, tiveram inícios os acidentes de trabalho aleatórios e inacreditáveis: atropelamentos, queimaduras, quedas de alturas relevantes, intoxicações diversas e ferimentos causados por objetos em queda livre tornaram seu histórico médico uma bibliografia quase fascinante. 

Sua vida afetiva poderia ser facilmente parte de alguma obra da literatura dramática. Perdeu todos os animais de estimação de forma trágica, fez poucos amigos e viu quase todos partirem por causa de acontecimentos inesperados ou infelizes. Conheceu a morte de entes queridos prematuramente, amou menos mulheres do que presumia merecer e enfrentou mais despedidas do que gostaria.

João Esperança viveu toda sua vida tentando acreditar que não havia as mãos maldosas do acaso por trás de todas aquelas memórias amargas. Acreditava na sorte e ousava arriscar um percentual inofensivo do seu salário em jogos de loteria, na esperança quase infantil de que aquela maré inabalável de azar pudesse finalmente baixar.

Foi em uma manhã particularmente chuvosa, depois de perder a hora para o trabalho, ficar sem água quente para o banho, queimar as torradas, derramar café no uniforme e ter que descer pelas escadas os treze andares que o separavam do térreo, que as coisas finalmente mudaram para João Esperança. Estampada na capa de todos os jornais, estava a única sequência da loteria na qual ele havia apostado por toda sua vida. O sorteio de um grande prêmio acumulado havia acontecido na noite anterior e só havia um ganhador em todo o país.

Incapaz de acreditar na própria sorte, João Esperança rendeu-se à alegria do momento e comemorou. Ignorando os olhares curiosos ao seu redor, dançou na chuva, sorriu para ninguém específico, gritou para afastar toda a amargura do seu coração e sentiu-se finalmente liberto do imenso azar que lhe acompanhou durante toda a vida. Agarrou-se àquela maravilhosa sensação e mergulhou tão profundamente em seu próprio júbilo que não notou quando o dia ao seu redor foi ofuscado por um repentino clarão e seu mundo se resumiu ao silêncio e à escuridão.
 
Na manhã seguinte, João Esperança sorria um sorriso cinzento na capa de todos os jornais, embaixo das manchetes que noticiavam a inexplicável queda de um raio em pleno centro da cidade e identificava a única vítima fatal do acidente natural como um homem de muito azar. 

Viviane Ribeiro
25/02/2013