segunda-feira, 4 de março de 2013

Rendição



O Delegado Nóbrega era um dos homens mais temidos e respeitados de todo distrito. Desde que iniciara sua estonteante escalada na hierarquia da polícia, Nóbrega colecionava crimes solucionados e prisões cinematográficas, que despertavam a inveja ou admiração de muitos colegas ao seu redor.

Havia aqueles que diziam que a ascensão de homem tinha a ver com um acordo desleal com a milícia da redondeza; outros alegavam que havia uma trégua acertada com o tráfico de drogas e não era coisa rara escutar que, na verdade, todas aquelas conquistas faziam parte de um pacto com entidades obscuras e poderosas.

Fosse qual fosse a versão, inegável era o fato de que o Delegado Nóbrega tinha um faro execpcional para detectar mentiras disfarçadas ou verdades acobertadas. Seus olhos escuros tinham um brilho especial, capaz de detectar o mais simples desvio de olhar ou a mais discreta alteração de semblante. Sua audição aguçada percebia mudanças em um tom de voz ou  pequenos desvios em um discurso e sua memória prodigiosa era capaz de armazenar detalhes tão suaves, que colocavam em apuros os melhores mentirosos que tinham o infortúnio de cruzar seu  caminho.

Apesar do sucesso, o delegado Nóbrega era um homem solitário. Com espírito agitado e pouca paciência, colecionava tantos relacionamentos mal sucedidos quanto casos policiais resolvidos e não conseguia se interessar por ninguém mais do que se interessava pelas pastas de investigações em andamento sobre sua mesa.

Mas isso mudou, tão repentinamente quanto todo o resto de sua vida.

A mulher que mudaria tudo entrou na delegacia como um furacão, num dia particularmente agitado no distrito policial. Havia sido trazida até ali por causa de uma briga de trânsito e sua presença despertou instantanemanete cada um dos sentidos do delegado. Nóbrega nunca foi capaz de explicar como toda aquela confusão havia começado e menos ainda qual havia sido o acordo que pôs fim ao festival de gritos e protestos na delegacia, mas lembrava-se vivamente de como terminara aquela noite: perdido nos beijos da estranha que deveria estar presa, sob pelo menos meia dúzia de acusações de baixa gravidade.

Quem conheceu o talentoso delegado Nóbrega antes daquele fatidico plantão, afirma que ele nunca mais foi o mesmo. Seus olhos afiados não foram capazes de detectar a inexplicável inclinação da mulher amada para confusões e histórias mal contadas. Seus ouvidos tão cuidadosos não foram capazes de escutar as recomendações, conselhos e alertas dos amigos próximos, familiares ou conhecidos que sempre pareciam ter alguma coisa ruim a dizer sobre aquela que fazia seus dias tão mais intensos. Nem mesmo sua percpeção, sempre alerta, foi capaz de detectar as mudanças bruscas de comportamento, os sumiços mal justificados e os argumentos vazios da estonteante mulher que tornava suas noites quentes e intermináveis.  Estar com ela, olhar seus olhos claros e tocar sua pele macia era tudo o que ele precisava.

Nenhum dos crimes mais complexos solucionados pelo delegado Nóbrega foram capazes de prepará-lo para aquele fim. Incapaz de ver, ouvir ou pensar claramente, Nóbrega não percebeu que vinha sendo enganado e compreendeu com muita dificuldade que havia sido envolvido em uma teia complexa e destrutiva. Deu-se conta de onde havia chegado tardiamente, ao deparar-se com seu apartamento vazio e sua conta bancária devastada.

Infeliz e envergonhado demais para revidar, o orgulhoso delegado Nóbrega entregou seu distintivo na manhã seguinte, abandonou seu posto no distrito de polícia e deixou sem solução o caso mais importante de sua vida.  

Viviane Ribeiro
04/03/2013.