O Delegado Nóbrega era um dos homens mais temidos
e respeitados de todo distrito. Desde que iniciara sua estonteante escalada na
hierarquia da polícia, Nóbrega colecionava crimes solucionados e prisões
cinematográficas, que despertavam a inveja ou admiração de muitos colegas ao
seu redor.
Havia aqueles que diziam que a ascensão de homem tinha a ver com um acordo desleal com a milícia da redondeza; outros alegavam que havia uma trégua acertada com o tráfico de drogas e não era coisa rara escutar que, na verdade, todas aquelas conquistas faziam parte de um pacto com entidades obscuras e poderosas.
Fosse qual fosse a versão, inegável era o fato de
que o Delegado Nóbrega tinha um faro execpcional para detectar mentiras disfarçadas
ou verdades acobertadas. Seus olhos escuros tinham um brilho especial, capaz de
detectar o mais simples desvio de olhar ou a mais discreta alteração de
semblante. Sua audição aguçada percebia mudanças em um tom de voz ou pequenos desvios em um discurso e sua memória
prodigiosa era capaz de armazenar detalhes tão suaves, que colocavam em apuros os
melhores mentirosos que tinham o infortúnio de cruzar seu caminho.
Apesar do sucesso, o delegado Nóbrega era um
homem solitário. Com espírito agitado e pouca paciência, colecionava tantos
relacionamentos mal sucedidos quanto casos policiais resolvidos e não conseguia
se interessar por ninguém mais do que se interessava pelas pastas de investigações
em andamento sobre sua mesa.
Mas isso mudou, tão repentinamente quanto todo
o resto de sua vida.
A mulher que mudaria tudo entrou na delegacia
como um furacão, num dia particularmente agitado no distrito policial. Havia
sido trazida até ali por causa de uma briga de trânsito e sua presença despertou
instantanemanete cada um dos sentidos do delegado. Nóbrega nunca foi capaz de
explicar como toda aquela confusão havia começado e menos ainda qual havia sido o
acordo que pôs fim ao festival de gritos e protestos na delegacia, mas
lembrava-se vivamente de como terminara aquela noite: perdido nos beijos da estranha
que deveria estar presa, sob pelo menos meia dúzia de acusações de baixa
gravidade.
Quem conheceu o talentoso delegado Nóbrega
antes daquele fatidico plantão, afirma que ele nunca mais foi o mesmo. Seus
olhos afiados não foram capazes de detectar a inexplicável inclinação da mulher
amada para confusões e histórias mal contadas. Seus ouvidos tão cuidadosos não
foram capazes de escutar as recomendações, conselhos e alertas dos amigos
próximos, familiares ou conhecidos que sempre pareciam ter alguma coisa ruim a
dizer sobre aquela que fazia seus dias tão mais intensos. Nem mesmo sua
percpeção, sempre alerta, foi capaz de detectar as mudanças bruscas de
comportamento, os sumiços mal justificados e os argumentos vazios da
estonteante mulher que tornava suas noites quentes e intermináveis. Estar com ela, olhar seus olhos claros e tocar
sua pele macia era tudo o que ele precisava.
Nenhum dos crimes mais complexos solucionados pelo
delegado Nóbrega foram capazes de prepará-lo para aquele fim. Incapaz de ver,
ouvir ou pensar claramente, Nóbrega não percebeu que vinha sendo enganado e compreendeu
com muita dificuldade que havia sido envolvido em uma teia complexa e
destrutiva. Deu-se conta de onde havia chegado tardiamente, ao deparar-se com
seu apartamento vazio e sua conta bancária devastada.
Infeliz e envergonhado demais para revidar, o orgulhoso
delegado Nóbrega entregou seu distintivo na manhã seguinte, abandonou seu posto no distrito de polícia e deixou sem solução o caso mais importante de sua vida.
Viviane Ribeiro
04/03/2013.