segunda-feira, 16 de abril de 2018

Luto

Ninguém parecia ter realmente acreditado na morte do Léo, até ver o caixão fechado seguir em cortejo rumo à sua última morada. Atrás, caminhando cambaleante pela estreita alameda de jazigos, ia a pequena multidão de amigos e parentes que tinha enfrentado aquela manhã chuvosa para a derradeira despedida.

A partida do Léo havia sido tão inesperada quanto inexplicável. Jovem e muito ativo, ele foi atacado por um mal súbito fulminante, poucos minutos depois de terminar a sagrada pelada do domingo de manhã. Houve correria e desespero, mas nada mais pôde ser feito quando o socorro finalmente apareceu.

Paulo assistiu as pessoas se aglomerarem ao lado do buraco aberto na terra vermelha com o coração pesado. Enterrar um sobrinho tão jovem não parecia o ciclo natural da vida e ele não pôde deixar de se perguntar como ninguém percebeu que poderia haver algo errado com o garoto. Diante de uma demonstração tão dolorosa da fragilidade humana, decidiu que talvez fosse o momento de parar de adiar o check-up que sempre deixava para o ano seguinte. E se finalmente começasse a abandonar a gordura da picanha e os pequenos excessos que sempre faziam Léo puxar sua orelha nos churrascos da família? 

Alguns passos adiante, Carol e João acompanharam o caixão descer vagarosamente os inevitáveis sete palmos, com os olhos vermelhos e as mão fortemente entrelaçadas. João se recordou que havia sido Léo o responsável por, nove anos antes, unir o casal. Deu-se conta, impulsionado pelo choque da perda repentina, que já era hora de vencer o medo de assumir um compromisso real e pedir Carol em casamento. A vida era curta demais para fica adiando o inevitável. Ao seu lado, Carol parecia compartilhar da mesmo urgência em viver que se instaurou no coração de João. Soltando a mão do namorado, secou uma lágrima fujona do rosto e prometeu a si mesma que terminaria aquele namoro longo, morno e sem futuro tão logo saíssem dali.

Na outra ponta do semi círculo, Luciana se despedia em silêncio do colega de trabalho, que acabou por se tornar um grande amigo. Lançou um olhar consternado à chorosa noiva do companheiro de audiências, tentando imaginar como devia ser dolorosa a sensação de não poder dar um último beijo em seu amor. Pensou na sua própria vida e, tomada por uma repentina sensação de pânico, puxou o celular do bolso do jeans e digitou aquela mensagem que tantas vezes havia ensaiado: “Eu te amo. Vamos ficar juntos de verdade?”. Clicou no botão de “enviar”, devolveu o aparelho para o bolso da calça e deixou escapar um suspiro. Estava feito, mesmo que ela não soubesse o que viria a seguir. O Léo ficaria orgulhoso em saber que ela finalmente havia seguido seu conselho.

Marcos acompanhou as primeiras pás de terra serem jogadas sobre o caixão com um nó na garganta. A partida inesperada do seu primo mais próximo havia tirado o chão debaixo dos seus pés. No bolso, o telefone vibrava sem parar, com as mensagens e e-mails que chegavam em intervalos cada vez menores. Para comparecer ao enterro, precisou abandonar uma reunião importante, com potenciais novos clientes, e sabia que haveria repreensões e ameaças à espera do seu retorno ao Banco. Quando a última pá de terra foi jogada no buraco, ele decidiu que já era tempo de mudar algumas coisas em sua própria vida, antes que fosse ele o proprietário dos sete palmos de chão. Desligou o telefone, tirou o blazer e decidiu que iria para casa abrir uma cerveja e brindar a memória do Léo. Aproveitaria para fazer as contas do que poderia ser feito com a generosa quantia acumulada ao longo de tantos anos de expedientes prolongados e metas batidas. E se desistisse de trocar o carro e usasse o dinheiro da rescisão para finalmente abrir o restaurante que sempre sonhou? 

Os últimos ritos fúnebres chegaram ao fim, acompanhados de abraços calorosos, apertos de mão prolongados e muitas palavras de conforto. As despedidas do Léo estavam oficialmente encerradas, mas alguns dos enlutados que caminhavam de volta à rotina do mundo dos vivos não fazia ideia de todas as mudanças que aquela partida inesperada traria para os dias que ainda estavam por vir.