terça-feira, 4 de abril de 2017

Desencontros Planejados



Mariana acordou sem disposição para nenhuma das coisas que havia programado para aquele sábado de sol. Faltou à aula de spinning, cancelou a depilação, furou com a manicure, pulou a ida à lavanderia, postergou a visita ao supermercado e foi à praia. Aquela tinha sido uma semana difícil, de horas intermináveis e problemas sem fim. Sentia-se extremamente sozinha debaixo daquele céu azul sem nuvens, apesar das notificações que eventualmente se acendiam na enorme tela do smartphone. Recostou-se na cadeira de praia alugada, ajeitou as alças do biquíni, fechou os olhos e suspirou. Tentou afastar da mente os planos frustrados, a viagem para conhecer a neve que havia sido cancelada antes mesmo de ganhar vida, as mensagens de boa noite que pararam de chegar e aquela sensação de que nunca seria capaz de escolher a pessoa certa.

Henrique acordou com a cabeça latejando a boca seca. Na escuridão do quarto, tateou o telefone e constatou que era tarde demais para ainda estar na cama em um sábado de sol. Prometendo a si mesmo que nunca mais beberia tanto numa sexta à noite, verificou no celular as suas opções para o tempo livre, mas não gostou de nenhuma: o futebol da turma da firma já estava no final e o almoço com a turma do MBA não tinha cara de que ia vingar. Decidiu-se por uma corrida na praia, para esticar as pernas e expulsar o álcool do organismo. Quando saiu do banho, visualizou a mensagem da menina que havia saído do seu apartamento com o nascer do dia, mas não se deu ao trabalho de responder. Calçou os tênis e entregou-se à alguns quilômetros de corrida para esvaziar a mente e colocar o corpo de volta aos eixos.

Mariana jogou o celular dentro da bolsa, depois de terminar o incansável ritual de constatar como todas as pessoas pareciam tão mais felizes que ela nas redes sociais. Curtiu algumas fotos de casais apaixonados, comentou alguns vídeos de bebês encantadores, impressionou-se com alguns corpos malhados em roupas incríveis e viu-se perdida novamente naquela torrente de perguntas que sempre se fazia quando tentava entender por onde tinha andado quando toda aquela alegria foi distribuída para os seus amigos e conhecidos. O que o destino tinha reservado para ela, afinal de contas?

Henrique encerrou a corrida antes de chegar aos sete quilômetros. O sol escaldante aliado ao álcool, que parecia ter impregnado cada célula do corpo, tiveram o efeito de uma âncora naquela manhã. Largou-se no primeiro banco vazio que encontrou no caminho, alongou com má vontade os músculos das pernas e distraiu-se com o celular enquanto esperava os batimentos cardíacos desacelerarem. A foto postada na noite anterior, em uma festa exclusiva cercada de gente bonita, ainda estava rendendo curtidas na rede social e muitos comentários mais-do-mesmo no grupo de whatsapp. Guardou o aparelho no bolso, passou a camiseta encharcada pelo rosto e decidiu que talvez não fosse uma má ideia entrar no mar. Enquanto tirava os tênis, correu os olhos pela areia lotada até localizar uma mulher sozinha que parecia amigável o suficiente para dar uma olhada nas suas roupas enquanto ele estivesse no mar.

Mariana havia cedido à curiosidade e decidiu dar uma olhadinha nas atividades das redes sociais do ex-namorado. Não havia nenhum rosto desconhecido, nem comentários que pudessem denunciar que ele já estivesse com alguém, mas ele parecia estar vivendo bastante bem desde que os dois haviam terminado. Deu um zoom na última foto postada, só para confirmar que ele não estava perto demais da mulher seminua que sorria junto ao grupo de amigos, quando um estranho se aproximou e chamou sua atenção.

- Bom dia. - o homem começou, meio sem jeito, pingando de suor como se tivesse corrido uma maratona. - Desculpa te atrapalhar aí... Mas você pode dar uma olhada nas minhas coisas enquanto eu dou um mergulho? Vai ser bem rapidinho.
- Claro, deixa aí. - ela respondeu com um sorriso rápido e observou ele amontoar os tênis de corrida, bermuda e uma camisa ensopada na areia próxima aos seus pés. 
   
Henrique cumpriu a promessa e deu apenas alguns mergulhos rápidos. Agora que a ressaca havia passado, começou a sentir fome e decidiu dar uma passada no Açaí antes de ir pra casa. Resgatou seus pertences com uma nova rodada de agradecimentos, recebeu o sorriso distraído da mulher que parecia concentradíssima em seu celular e, enquanto voltava para o calçadão, recebeu uma mensagem da garota da academia. Ela era tão insistente quanto bonita e ele sabia como aquela história terminaria, mas não tinha planos para o sábado à tarde e decidiu responder.

Mariana e Henrique eram almas gêmeas, daquelas que o destino prepara com bastante capricho. Quando se conheceram, alguns anos depois daquele sábado ensolarado, ninguém teve dúvida de que eles ficariam juntos para sempre. Henrique abandonou as festas com uma facilidade que colocou seus parceiros de noitada em estado de choque, enquanto Mariana finalmente encontrou alguém que topasse suas intermináveis ideias malucas com entusiasmo quase infantil. Namoraram, viajaram, noivaram e uniram suas vidas cercados de amigos e embaixo de uma chuva de arroz. 

Experimentaram muitos dias de alegria, enfrentaram com coragem os dias de tristeza e foram felizes como um casal normal, numa casa financiada por muitos anos e cheia de amor. Às vezes, em noites chuvosas onde se enroscavam embaixo do edredom, os dois lamentavam o tempo que haviam desperdiçado até se encontrarem e se perguntavam como teria sido a vida se eles tivessem se conhecido antes.