quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Em Pares


Sabrina se considerava uma mulher perfeitamente normal: sua aparência era bastante comum, seu QI confortavelmente dentro da média e suas habilidades pouco dignas de destaque. Havia algo, no entanto, que a colocava em uma categoria especial, embora ela não gostasse de pensar muito sobre o assunto: os grandes acontecimentos de sua vida vinham sempre em pares.

Sabrina foi planejada e passou a ser amada desde o momento em que os dois tracinhos do exame de farmácia apontaram sua existência. O dia de seu nascimento foi aguardado com ansiedade pelos seus pais, mas nenhum deles podia esperar que sua chegada seria acompanhada de um furacão de escala alarmante, que levou pelos ares sua casa e todo o enxoval preparado com carinho e cuidado ao longo dos nove meses de gestação. 

Aos quatro anos Sabrina e sua mãe encontraram um filhote de gato abandonado enquanto voltavam da escola e decidiram que ele precisava de um lar, cuidados e amor. Acharam que ele se daria muito bem com o filhote de cachorro que adorava correr pelo espaçoso quintal na nova casa, mas nunca tiveram a chance de apresentar os dois mascotes: encontraram o pobre cãozinho afogado na piscina e ninguém soube explicar como ele havia passado pelo cercado que deveria mantê-lo fora de perigo. 

Aos oito anos Sabrina realizou o sonho de ver o rosto do seu irmãozinho. Pedia por ele em todas as orações sonolentas que fazia antes de ir pra cama e chegou, até mesmo, a arriscar um acordo com a Fada do Dente. Sentiu-se agradecida por vê-lo ali, tão pequeno e indefeso na incubadora da maternidade, mas estava triste demais para dizer o quanto ele era bem vindo: ainda teria que lidar com a ausência irreversível e devastadora de sua mãe, que não resistiu a complicações no parto e se foi antes que pudesse ver o belo presente que havia deixado para sua preciosa filha.

Aos doze anos Sabrina ganhou seu primeiro sutiã. Era lindo e delicado como os das propagandas de revista e ela sentiu-se uma mulher incrivelmente adulta quando meteu-se dentro dele e atravessou a rua para exibir o troféu à sua melhor amiga. Mas não houve gritinhos ou risadas naquela manhã: a  fiel companheira de passeios de bicicleta, festas do pijama e segredos compartilhados na casa da árvore havia sido levada às pressas em uma mudança na calada da noite, depois que uma briga doméstica chegou às raias da violência e aquele lar deixou de ser um lugar seguro para uma criança.

Aos dezessete anos Sabrina foi aceita como bolsista na faculdade mais conceituada do estado. Havia sido uma disputa acirrada e a carta tão esperada foi recebida com tamanha comemoração, que quase não foi possível ouvir chegada do oficial de justiça e da ação de despejo que ele trazia dentro de sua maleta de couro. 

Aos vinte e um anos Sabrina encontrou o amor verdadeiro. Era suave, despretensioso e inevitável como todos disseram que seria. Ela foi correspondida na mesma proporção e quando ouviu o primeiro "eu te amo", sussurrado ao seu ouvido embaixo de um céu pontilhado de estrelas, fechou os olhos, suspirou resignada e esperou. Afinal, todos os grandes acontecimentos de sua vida vinham aos pares.

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