Não sei bem que conjunção astral
rolou essa semana, mas uma galera decidiu que era um bom momento para me dar
conselhos sobre como evitar um câncer. Acho super genuína essa preocupação com
a minha saúde, mas confesso que todos esses alertas me despertaram mais preguiça
do que preocupação.
Não pode adoçante no leite
(desnatado) porque tem um monte de substâncias cancerígenas nesse açúcar falso.
Mas açúcar também não pode, tá? Porque ele vira gordura, se acumula lá nas
ancas e gente gorda tem propensão a desenvolver o quê? Câncer!
Meu cabelo também caiu em “não
conformidade”. O esquadrão da beleza natural me enquadrou, na (vã) tentativa de
me convencer a aceitar de volta os cachos que eu detesto desde a mais tenra infância.
Adivinha sob qual argumento? Esse aí! O câncer tá lá dentro dos potinhos do
salão, esperando pra me atacar.
Depilação a laser entrou na classificação
“perigo iminente”. O doutor Google afirma que a exposição à luz pulsada e/ou ao
laser pode atacar as minhas células e desenvolver “o famigerado”. E já que
estamos falando sobre cuidados com a pele, descobri que é infração gravíssima sair
de casa sem passar protetor solar. Mas tem que escolher muito bem a marca do
protetor, porque muitas delas possuem uma dúzia de fragrâncias químicas que
causam, adivinhem? Câncer!
Meu almoço recebeu um cartão vermelho:
fui repreendida por insistir em comer carne e fazer parte da enorme parcela da
sociedade que está clamando por um câncer no intestino. Mas e se eu virar vegetariana?
Tô salva? Mais ou menos. Porque aí tem que se preocupar com os agrotóxicos das
frutas e legumes, além dos alimentos transgênicos. Chuta só o que eles causam?
Yes, câncer!
Antes que se instaure a indignação na
minha timeline, deixa eu me defender:
não estou negando os malefícios gerados pelo meu consumo. Tô super ciente,
juro. Concordo que as informações sobre tudo o que está por trás dos rótulos
que entram nas nossas casas devem ser amplamente divulgadas e que tem muita
gente ganhando dinheiro às custas da nossa saúde.
Mas sabe o que mais pode causar
câncer, galera? Ódio. Distribuir desamor e violência por aí só porque alguém
não tem a mesma cor de pele que a sua ou uma orientação sexual diferente.
Porque adora um Deus que responde por outro nome, possui uma ideologia política
que diverge da sua ou torce pra outro time de futebol (mesmo que seja aquele
timeco de várzea).
Fingir também pode causar câncer.
Fingir que é feliz no trabalho só para não perder os 40% do FGTS, fingir que é
feliz naquele relacionamento falido só para não ser rotulado de “sozinho”,
fingir que gosta de pessoas que você chama de “amigos” só porque elas podem te
trazer algum benefício. Fingir que gosta de malhar quando você gosta mesmo é de
dormir. Fingir que você gosta de música clássica quando é aquele sertanejo
sofrência que te faz sorrir. Fingir que não viu aquela mensagem tão aguardada no
whatsapp só porque alguém disse que você não pode responder na mesma hora. Fingir
que gosta daquele colega de trabalho quando você quer mesmo é mandar ele pro
inferno e também fingir que você tem um padrão de vida mais alto do que sua pilha de
boletos vencidos.
Tem mais um monte de coisas
que pode causar câncer e eu poderia ficar aqui o dia inteiro listando elas. Mas
vocês pegaram o espírito da coisa, né? Temos, sim, que nos preocupar com os
alimentos transgênicos, com os raios UV e com a química dos produtos de beleza,
mas precisamos atentar para as pequenas coisas que nós aceitamos só porque nos
disseram que “devem ser assim” e que acabam por envenenar gradativamente a nossa rotina. As
verdades não ditas, o cinismo social e aqueles “sapos” engolidos fazem, a longo
prazo, muito mais estrago nos nossos corpos e mentes do que uns bifões de
picanha ou um domingo de praia torrando no sol.
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