domingo, 25 de novembro de 2018

Isso também passa

A frase amanheceu pintada à mão, com tinta preta, no imenso outdoor que ladeava a principal via expressa da cidade. O vento da última tempestade de verão tinha entortado o enorme painel de madeira e desbotado suas cores, mas agora ele exibia, orgulhoso, aquelas três palavras: Isso também passa.

Pedro distraiu-se momentaneamente do trânsito e seus olhos cansados encontraram a frase. Foi impossível não pensar que aquilo havia sido escrito para ele: sentia-se particularmente exausto naquela manhã, depois da devastadora experiência de enterrar o próprio pai. Ele sabia que aquela hora chegaria mais cedo ou mais tarde, mas nunca esteve preparado para isso. Achou que aquele nó na garganta e o aperto no peito que se formaram desde que recebera a notícia duraria para sempre, mas aquela frase no outdoor lhe dizia que não.
Alguns carros atrás, a atenção de Ana se desviou dos garranchos escritos na receita médica para aquelas três palavras do painel. Sempre fora uma pessoa muito sensitiva e teve certeza de que aquela era uma mensagem de incentivo para que ela não desistisse da luta contra o tumor que havia virado sua vida do avesso nas últimas semanas. Apesar do medo, das dores, do mal estar e do cansaço que haviam se instaurado em seu corpo desde o início do tratamento, ela sentiu-se momentaneamente mais forte e fez uma prece silenciosa para agradecer por aquele sinal de que tudo ficaria bem.

João conferiu novamente a hora , suspirou exasperado e lançou um olhar pela janela do ônibus. Encontrou a frase pintada no outdoor, refletiu brevemente sobre seu significado e, quase sem perceber, sentiu-se um pouco mais otimista. É claro que aquela era apenas uma fase ruim. A crise financeira causada pela demissão inesperada, as dívidas acumuladas e o desapontamento pelas repetidas oportunidades perdidas passariam. Tentou acreditar que aquela frase era algum tipo de bom presságio e sentiu o nervosismo se abrandar. Estava indo para a última entrevista de um longo processo seletivo. Por que não acreditar que tinha todas as chances de conseguir o emprego?

Beatriz se desligou das intermináveis instruções da advogada e lançou um olhar cansado pela janela fechada do Uber. Ignorou o próprio reflexo abatido e foi pousar os olhos sobre o outdoor capenga e a frase pintada nele. Aquelas palavras tiveram o efeito de um abraço amigo em meio à montanha russa de emoções que sua vida havia se tornado desde a separação. Ela sabia que aquela era a melhor decisão depois de tantos meses de discussões ácidas, tentativas frustradas de reconciliação e do esforço imenso de acreditar que tudo era apenas uma crise passageira. Quando o amor se transformou em rancor e ele se mudou para a casa do irmão, ela viu sua vida ser consumida pela solidão e pela rotina exaustiva de discussões por causa de móveis, rateios de contas e fins de semana com o filho. Naquela manhã, enquanto se maquiava para tentar esconder as marcas de noites mal dormidas, ela achou que nunca mais seria capaz de amar e sentir-se amada, mas aquelas três palavras encheram seu coração magoado com a esperança de que ainda haveria felicidade reservada para ela.

Quando a Pedro, Ana, João e Beatriz passaram novamente pela via expressa, não encontraram mais as três palavras pintadas no outdoor. A estrutura de madeira havia sido reparada e coberta com a propaganda de um supermercado. Para eles, porém, a mensagem exibida por aquele outdoor seria sempre a mesma: Isso também passa.

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